24 janeiro, 2012

à noite II


quatro paredes brancas, altas, concentradas,
às vezes um sinal
de que é possível respirar.
às vezes.
e continuar.
quatro paredes brancas, altas, concentr...


à noite


à noite
teço os meus dias,
os meus dedos.
ao longe: as palavras.
as melodias interiores das palavras.
ao perto: incandescente,
luxuriante, a luz
da alvorada.
prometida.



22 janeiro, 2012

o corpo: sinfonia em (des)construção


o tempo contraria o movimento do corpo.
quem dera parar. quem dera parar.
não há nada, nada, passível de ser detido
um só instante,
nem dentro do corpo, nem fora dele.
a imobilidade do corpo é uma ilusão.
a solidez do corpo é uma ilusão.
é mais sólido o tempo
no seu permanente movimento,
a empurrar tudo para o presente do futuro,
do que o corpo.
é mais sólido o ar,
do que o corpo.
as moléculas imperecíveis do ar,
azoto, oxigénio, vapor de água, ozono,
dióxidos vários, monóxidos mil,
pedras infinitesimais da matéria em permanente vibração
dilacerando os corpos ao passar.
é mais sólida a dor de existir
do que o corpo.
essa dor impossível de esconder,
é só o ar, é o ar ao passar,
essa dor impossível de mostrar,
ninguém quer ver, ninguém quer ver.
seria tão mais fácil desexistir,
seria tão mais fácil deixar o corpo ganhar:
agora já não posso parar, agora já não podes parar.
a pele intocada, intocável,
a pele habitada, lugar onde o tempo se dilata,
a pele obstinada, insolente,
deslizando líquida sobre os objectos-ossos-orgãos,
desenhando as curvas oblíquas do silêncio.
a noite é tão funda
que te prende as palavras à garganta
como nuvens, palavras-voláteis-mudas.
por isso quando falas, quando calas, chuva.
(não digo nada, não digas nada)
adivinho-te no corpo, encerradas, planícies desmedidas,
onde a infância te corre descalça
e o brilho selvagem da esperança
te fere o olhar ainda.
abre os olhos: vê,
a beleza do mundo entra pelos olhos adentro
incandescente e rara,
capaz de derrubar qualquer fronteira.
abre os olhos: sente,
a dor do mundo entra pelos ossos adentro,
fera e fria,
capaz de arrefecer qualquer convicção.
a morte aqui tão perto. omnipresente.
o tempo escorre-te dos dedos
a uma velocidade logicamente irracional.
o tempo escorre-te dos medos:
quem queres ser afinal?
a morte aqui tão perto,
dentro do teu corpo-coroa-cara,
a uma distância infinitesimal.
abre os olhos: ouve,
a sinfonia intermitente da vida,
a pulsação suspensa por um fio. frágil.
no dia em que o meu coração parar,
todos os meus átomos serão finalmente livres para ser
terra, pedra, rio, pássaro, fogo, sal,
elementos (in)significantes na harmonia imanente do mundo,
a vibrar para além de mim, antes de mim, depois de mim.
agora.
ainda.
dentro de ti.
dentro de mim.
[os elementos são.
não há outra opção senão ser.
é uma certeza nuclear.]



Bon Iver - Perth (Deluxe)




longe demais ou perto demais?
demasiado lento ou demasiado rápido?
o que vemos? como vemos?
o mistério permanente do tempo
ao alcance do nosso olhar?


04 janeiro, 2012

metamorfose


podia ser só uma impressão. uma coincidência. qualquer coisa que parecia, mas não era. um reflexo e não uma luz interior. mas parecia. qualquer coisa no olhar. ou uma paz na voz, na cor, no gesto invisível, na frequência de vibração das moléculas do ar. parecia diferente. e era mesmo. só ele o sabia.

03 janeiro, 2012

(con)sentida contradição


e agora, e ainda,
de cada vez que me lembrar,
esquecer.

e quase, e claro,
de cada vez que consentir,
perder.

e às vezes, e sempre,
de cada vez que desejar,
morrer.