04 dezembro, 2012

Citação


A mansidão do amor não é pura quietude.

Amar não é estar enamorado.
Estar enamorado é um estado. E um estado sofre-se.
O amor é um acto, uma sucessão de actos em cadeia, uma guerra boa portanto.
O amor é inventivo até ao infinito...

D. António Couto


(des)encanto


como se fosse de vidro
partiu-se em silêncio na tua voz
e escorreu-me sobre as mãos,
líquido, impossível de deter.
ninguém o ouviu senão eu.

ou imaginei
nas vibrações mais subtis,
nas minúsculas bifurcações de sentido,
nas alterações microtonais da sonoridade de certas palavras.
talvez nunca tas tivesse ouvido antes
para poder analisar com precisão.
talvez tenha sido apenas um erro fortuito de audiação.

e, qual cristal-líquido suspenso sobre a esquina das horas,
frágil, desafi(n)ando a queda,
a tua voz
permaneça intacta.
tão simplesmente ilegível
como sempre foi.

ou a pena de não saber de cor todas cores da tua voz.



Lenine & Julieta Venegas - Miedo (Acústico MTV) (HD)




entre o medo e a coragem um passo de distância: arriscar.
o medo nunca sai do lugar: quem sai somos nós.



03 dezembro, 2012

tanto


medo de te perder nos dias, assim como que te encontrei:
por acaso.
medo do tempo e da distância:
tanto, tanta.
medo de ter medo, medo de confiar,
medo de dizer a verdade, medo de mentir,
medo de me dar, medo de fugir.





06 novembro, 2012

Matisyahu - Miracle (New Acoustic Version)



Uma música cheia de boa energia.
Ouvir de manhã, à tarde ou à noite. Aumentar o volume. Deixar contaminar os dias.


05 novembro, 2012

Dúvida


se me calar agora,
se não te disser nada,
se deixar falar em meu lugar todas as vozes
da polifonia imprevisível dos dias,
até a minha voz se tornar imperceptível,
um eco, um rumor,
pouco mais que nada.
se me calar agora,
será que vais ouvir
em cada palavra por dizer
o desejo em flor
que no meu corpo amadurece?

se te calares agora,
se não me disseres nada,
se o teu silêncio entrar
pelas portas e janelas
que a tua voz em mim abriu
de par em par,
e com ele o frio
e com ele os pássaros que bebem a sede
nos umbrais, nas veias, nos beirais.
se te calares agora,
será que vou saber
em cada palavra que não dizes
o segredo que o teu corpo
em cada gesto amanhece?

se a distância correr entre nós
como um rio,
e nos afastar por fora
e nos habitar por dentro:
lodo nos meus dedos,
peixes nos teus olhos.
será que o meu desejo se vai diluir,
nos peixes dos teus olhos rasos de água?
será que os teus gestos se vão desfazer em cinzas,
no lodo das minhas mãos fechadas?


19 outubro, 2012

Hoje...


Há bilhetes de comboio que são como cartas de alforria. Sabem a liberdade.


14 setembro, 2012

Haiku


arde um sol de fim de inverno.
o vento canta nas folhas.
o que dirá?




04 setembro, 2012

Ornatos Violeta - Nuvem



banda sonora do dia,
"hoje o tempo vai mudar"
hoje é o dia.


umut


o amanhã chegou: um dia normal,
a dor fantasma substituída por uma dor real.
estou só um pouco cansada:
ontem dormi mal.
o amanhã chegou: um dia desigual
à espera de se repetir infinitamente
até se tornar banal.
o amanhã chegou: é hoje.
olha de novo, vê melhor,
dispersa as nuvens que se condensam no olhar.
algum dia vais ter que deixar de viver por acaso
e arriscar:
que dia é hoje?
o que é que vais fazer, hoje, de propósito?
podes começar por algo pequeno,
aparentemente simples, aparentemente insignificante:
hoje é dia de desejar “bom dia”,
hoje é dia de almoçar com um amigo,
hoje é dia de aprender algo novo,
uma palavra, por exemplo: esperança,
hope, espoir, umut, hoop, håper, nadzieja, 期待, आशा, …
hoje é dia de ouvir a música do mundo à tua volta,
de olhos fechados, ouvir só,
hoje é dia de parar para agradecer,
hoje é dia de escrever um poema, ou uma canção,
hoje é o dia.


23 agosto, 2012

Radiohead - Lotus Flower




(para dançar quando não está ninguém a ver)

Andanças 2012 - Ratoeira - Celorico da Beira















enquanto os pés descansam da dança os olhos aproveitam a paisagem.
[Ratoeira, 1 a 5 de Agosto de 2012]

13 junho, 2012

(in)gestão permanente


quando todos os dias tem mais horas do que deveriam ter, pergunto-me:
a que dias por vir estarei eu a roubar estas horas?


28 maio, 2012

I Wish I Knew How It Feels To Be Free (Live) - Nina Simone



Porque há coisas que não podem ser explicadas. um saber que nos atravessa, mas que não nos pertence, que não conquistamos, realidade experimentada que não pode ser contida nas palavras limitadas que usamos: liberdade, amor, verdade, justiça,...

"the one who knows does not say, the one who says does not know" (Anthony de Mello)

20 maio, 2012

Io guardo te


às vezes acontece. alguém que passa e diz algo inesperado e ao qual não conseguimos ficar indiferentes. alguém que passa por um instante e não se detém: io guardo te. e sem porquê, as palavras repetem-se dentro de nós, dos sentidos à inteligência, da inteligência ao coração, à procura de um sentido. io guardo te. é com um olhar que tudo começa, embora pareça que nada acontece. eu olho para ti. tu olhas para mim. quantas vezes paramos para olhar com olhos de ver? quantas vezes nos deixamos olhar sem medos, nem máscaras?

[é engraçada a coincidência do guardo italiano com o guardo português. duas palavras iguais com significados aparentemente diferentes. há olhares superficiais que não guardam nada do que vêem... mas há olhares que se deixam tocar,  que se comprometem, que guardam algo do que vêem, sem qualquer ilusão de o poderem conter ou deter. imagino que os pais também guardam os filhos dentro do olhar, mesmo quando perdem a ilusão de os poderem proteger.]


24 março, 2012

(In)utilidade


"A cada coisa o seu tempo".
Para ser feliz é preciso estarmos no tempo presente, concentrados, inteiros, capazes de respirar fundo, capazes de sentir o pulsar da vida por dentro, na multidão ou no deserto, no trabalho ou no descanso. Encontrar em cada tempo o seu sentido.
É importante cultivar a inutilidade. Parar. Estar. Contemplar. Ouvir. Respirar. Contrariar a tendência instalada do fazer, fazer, fazer... Passamos tanto tempo ocupados a fazer que às vezes parece que nos esquecemos de passar tempo a ser.

Aqui fica um elogio à inutilidade:


15 fevereiro, 2012

Jeff Buckley - I know It's over



'Cause tonight is just like any other night



24 janeiro, 2012

à noite II


quatro paredes brancas, altas, concentradas,
às vezes um sinal
de que é possível respirar.
às vezes.
e continuar.
quatro paredes brancas, altas, concentr...


à noite


à noite
teço os meus dias,
os meus dedos.
ao longe: as palavras.
as melodias interiores das palavras.
ao perto: incandescente,
luxuriante, a luz
da alvorada.
prometida.



22 janeiro, 2012

o corpo: sinfonia em (des)construção


o tempo contraria o movimento do corpo.
quem dera parar. quem dera parar.
não há nada, nada, passível de ser detido
um só instante,
nem dentro do corpo, nem fora dele.
a imobilidade do corpo é uma ilusão.
a solidez do corpo é uma ilusão.
é mais sólido o tempo
no seu permanente movimento,
a empurrar tudo para o presente do futuro,
do que o corpo.
é mais sólido o ar,
do que o corpo.
as moléculas imperecíveis do ar,
azoto, oxigénio, vapor de água, ozono,
dióxidos vários, monóxidos mil,
pedras infinitesimais da matéria em permanente vibração
dilacerando os corpos ao passar.
é mais sólida a dor de existir
do que o corpo.
essa dor impossível de esconder,
é só o ar, é o ar ao passar,
essa dor impossível de mostrar,
ninguém quer ver, ninguém quer ver.
seria tão mais fácil desexistir,
seria tão mais fácil deixar o corpo ganhar:
agora já não posso parar, agora já não podes parar.
a pele intocada, intocável,
a pele habitada, lugar onde o tempo se dilata,
a pele obstinada, insolente,
deslizando líquida sobre os objectos-ossos-orgãos,
desenhando as curvas oblíquas do silêncio.
a noite é tão funda
que te prende as palavras à garganta
como nuvens, palavras-voláteis-mudas.
por isso quando falas, quando calas, chuva.
(não digo nada, não digas nada)
adivinho-te no corpo, encerradas, planícies desmedidas,
onde a infância te corre descalça
e o brilho selvagem da esperança
te fere o olhar ainda.
abre os olhos: vê,
a beleza do mundo entra pelos olhos adentro
incandescente e rara,
capaz de derrubar qualquer fronteira.
abre os olhos: sente,
a dor do mundo entra pelos ossos adentro,
fera e fria,
capaz de arrefecer qualquer convicção.
a morte aqui tão perto. omnipresente.
o tempo escorre-te dos dedos
a uma velocidade logicamente irracional.
o tempo escorre-te dos medos:
quem queres ser afinal?
a morte aqui tão perto,
dentro do teu corpo-coroa-cara,
a uma distância infinitesimal.
abre os olhos: ouve,
a sinfonia intermitente da vida,
a pulsação suspensa por um fio. frágil.
no dia em que o meu coração parar,
todos os meus átomos serão finalmente livres para ser
terra, pedra, rio, pássaro, fogo, sal,
elementos (in)significantes na harmonia imanente do mundo,
a vibrar para além de mim, antes de mim, depois de mim.
agora.
ainda.
dentro de ti.
dentro de mim.
[os elementos são.
não há outra opção senão ser.
é uma certeza nuclear.]



Bon Iver - Perth (Deluxe)




longe demais ou perto demais?
demasiado lento ou demasiado rápido?
o que vemos? como vemos?
o mistério permanente do tempo
ao alcance do nosso olhar?


04 janeiro, 2012

metamorfose


podia ser só uma impressão. uma coincidência. qualquer coisa que parecia, mas não era. um reflexo e não uma luz interior. mas parecia. qualquer coisa no olhar. ou uma paz na voz, na cor, no gesto invisível, na frequência de vibração das moléculas do ar. parecia diferente. e era mesmo. só ele o sabia.

03 janeiro, 2012

(con)sentida contradição


e agora, e ainda,
de cada vez que me lembrar,
esquecer.

e quase, e claro,
de cada vez que consentir,
perder.

e às vezes, e sempre,
de cada vez que desejar,
morrer.