ele disse:
"de nenhum fruto queiras só metade"
e acreditei.
rasguei ilusões e parti.
perdi o olhar no teu sorriso,
outra vez.
não disse adeus, nem corri.
arrumei tudo atrás de mim,
para não pensares que fugi.
cortei as linhas que me mantinham presa
ao desejo de ti e gritei,
mas tu não respondeste,
preso na inércia do que não sabes.
sempre fomos assim:
tu que não sabias o que querias,
eu que sabia, mas esquecia que sabia
para poder estar perto de ti.
agora nada me dói.
nada acontece.
o tempo tão lento de repente
que as coisas não caem
ficam paradas no ar.
o vento sentado a acumular frio
e a jogar cartas com um baralho muito velho
onde já não se distinguem as caras,
porque ninguém vai perder ou ganhar.
talvez um dia destes passes por mim
e não me reconheças,
talvez nunca tenhas re-conhecido
e vice-versas
(foi só pra rimar
que a vida cá fora já rima tão pouco
com o interior...)
parei os livros que estava a ler
e não consigo ouvir as mesmas músicas,
mas a tua concha continua ali, presa
no cimento, no silêncio (tão longe do mar).
faço muito barulho ao passar
para lhe calar o olhar.
não me censura ela,
nem tu, que só sabes calar.
encostei a tua mão ao coração
e disparei,
a bala atravessou-me e partiu.
também ela não quis ficar.
morri.
e assim abri caminho para o frio me habitar
pelo lado de dentro.
agora não sei senão andar,
e ando de olhos fechados
que os pés já sabem de cor
as pedras e as conchas
onde vou tropeçar.
alguém bate à porta,
mas não atendo mais ninguém,
os sentidos adormecidos,
reduzidos à tarefa instintiva de caminhar.
não moro mais aqui.
não moro em nenhum lugar.
eu sou a casa onde o frio resolveu parar.
eu sou o vento que desistiu de passar.
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