27 julho, 2006
anjos, ou à sombra de outras asas
os anjos também caem,
como as ideias caem do último andar,
uma a uma, cada uma a seu tempo,
e o tempo esquecido de parar
(o tempo não se deixa abalar pela intenção,
o tempo só conhece um sentido,
uma direcção).
os anjos também se esquecem de voar,
guardam as asas no bolso,
gastam os pés ao andar...
e deixam ao passar o aroma do mar
e o rumor das ondas pendurados
nos candeeiros,
nos parapeitos das janelas,
e nos ouvidos dos homens
que nunca viram o mar.
os anjos não têm memória,
guardam em gavetas revestidas a preceito
as lágrimas dos olhos dos velhos,
e os sorrisos das crianças que os vêem.
os anjos têm dentro do peito
um coração que se esqueceu de bater,
que algum dia bateu a compasso
descompassado, por algum amor que ardia,
mas de repente deixou de arder
e como dizia alguém:
de tanto bater o coração parou…
alguém os acordará um dia?
alguém abraçará esses corpos,
silenciosos e escorregadios,
pedras (es)colhidas do leito dos rios,
cheios de gavetas por lembrar
cheios de lágrimas e sorrisos por abrir?
alguém lhes abrirá o peito ao ar
(ele tacteando, cego, oxigénio,
sem conseguir respirar)
e plantará nele um rebento
que um dia floresça em flauta
ou fagote, violoncelo ou violino,
ou simplesmente em ave ou vento
ou outro qualquer instrumento
capaz de cantar?
quadro de salvador dali encontrado aqui
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