uma carta! corri para o correio. há tanto tempo que não recebia uma carta. o papel, o cheiro, o desenho das letras, carimbos, selos, o tempo nas dobras, língua, cola, voz, tinta, esperança, silêncio, medo.
guardei a carta no bolso, sem abrir. adiei-te como quem prolonga um prazer. caminhar pelo dia com uma carta por ler. tua. o dia inteiro essa notícia repetida, esse segredo no bolso, um murmúrio intermitente a massajar-me a palma da mão, uma resistência imperceptível do papel contra a perna ao andar, uma corrente de ar porque alguma janela mal fechada no coração (ou é o medo a jogar ao esconde-esconde com a esperança. desarrumam-me tudo!)
quanto tempo vou aguentar? umas horas? um dia? mais que um dia? será que consigo dormir com esta carta no bolso? por ler. tua. não sei, mas sabe-me bem não ler, como quem caminha por instantes de olhos fechados na rua, sem ter medo de tropeçar, ou do que os outros vão pensar, porque no fundo caminhamos sempre de olhos fechados para o futuro. confio de olhos fechados que há muito mais do que aquilo que se vê. confio de olhos fechados que não preciso de tentar prever tudo o que vai acontecer.
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