25 maio, 2006

"a culpa é da vontade" é certo, mas a vontade não é suficiente para me re-inventar. sei quem não quero ser e aceito a inevitabilidade da nossa incompatibilidade circunstancial. por isso saio já, não sem dor, mas para evitar entrar lentamente numa espiral de ilusões e recriminações.
hoje estou febril, devo estar imunodreprimida, a garganta dói-me, tenho frio e calor intermitentemente... agora que penso, talvez seja por isso que consigo ser radical: é a febre a subir...
todos os dias sinto a urgência de estar e todos os dias aceito as tarefas insignificantes a que me propus e repito incansavelmente o mesmo caminho, como Sísifo empurrando a pedra montanha acima, interiormente revoltada com a minha inércia.
escolho a opção mais absurda, porque contrária aos meus instintos, porque racional e interiormente mais desgastante do que fazer de ti mais uma pedra no caminho. deixo-te cair. talvez um dia destes nos voltemos a cruzar e as nossa pedras sejam então mais leves e ocupem menos espaço permitindo-nos caminhar lado a lado e inventar outro caminho. talvez não. talvez seja só isto o que nos estava reservado: desencontros.
todos os dias enfrento a despedida. calo dentro de mim a asa ferida e esqueço-me de voar... um dia destes tenho que decidir se quero ser árvore ou ave... hoje não. em tempos conturbados não se tomam grandes decisões.
escolho o meu deserto, adopto a minha solidão. esvazio-o de palavras inúteis e passeio o meu silêncio por fora até ele fazer eco por dentro. tenho palavras demais e nada para dizer.



os ecos do livro, invadem o meu silêncio. talvez este livro já não seja sobre eles, mas sobre mim:



"Um postal. Uma caligrafia bem desenhada preenche o rectângulo.

Passo metade dos meus dias desesperada por não te poder tocar. O resto do tempo, sinto que não importa tornar ou não tornar a ver-te. Não é uma questão de moral, mas do ponto até onde chega a resistência de uma pessoa.

Nem data, nem assinatura."



"No deserto, um homem pode agarrar a ausência na concha das mãos, sabendo que tem nela um alimento mais precioso que a água. Conhece uma planta, próximo de El Taj, cujo coração, quando arrancado é substituído por um líquido cheio de virtudes medicinais. Todas as manhãs se pode beber uma quantidade de líquido de igual volume ao do coração ausente. A planta continua a florir durante um ano, até morrer de uma qualquer carência."


O doente inglês, Michael Ondaatje

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