10 maio, 2006

na solidão das coisas inevitáveis sinto a urgência da vida. o dia de hoje nao se repetirá amanhã. o que nao cantei, ou não ri ou não chorei hoje, nao vou cantar ou rir ou chorar amanhã. hoje há todo um mundo que se acaba. posso adiar-me? posso adiar-te a ti? no entanto dir-me-ás talvez, e com razão, que não é justo que te invada a paz com a minha dor, ou que grite sem razão gosto de ti. pois se está tudo tão bem assim. nesta aparente paz de pequenos passos sempre repetidos. neste lugar antigo, tão antigo que já nao sei bem se não sou eu já que o trago comigo.
hoje é mais um dia em que nao farei.
queria eu ser capaz de te dizer: vai-te embora! vai-te embora agora! não venhas amanhã, não venhas à mesma hora, não venhas mais. se fores amanhã cairei dois palmos de ar, daqui a um mês cairei do quarto andar.
queria eu poder dizer-te: vai-te embora já! mas tenho medo que o consigas fazer.
por isso hoje não faço nada e amanhã nada farei. e no entanto esta urgência cá estará para me roer um pouco mais. esta urgência de viver que não se cala, que não se pára, que não se vai.

2 comentários:

Anónimo disse...

bom, como dizia já F.P.: "E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto". Claro que isto não tem nada a haver com o que se quer comentar, porém não é a doença, o mal estar mesmo da alma (e o problema dela existir ou não, só piora as coisas), que nos fazem correr pela vida. E não é quem corre pela vida que sente vivo. Responder ao chamamento interior é responder ao chamamento da vida. Por isso digo: corre, vai, não adies, é urgente... pensar não é nada, é um mecanismo para nos manter presos à razão e a razão não acontece.

reverberações disse...

tens toda a razão, pensar tem muito pouco a ver com a vida. pensamos por medo, racionalizamos para tentar conter o incompreensível. viver é uma aventura muito maior, um risco muito maior. Acontecer é mais importante do que permanecer. (obrigada)