29 junho, 2006
enquanto o tempo é neste lugar parado
"de nenhum fruto queiras só metade"
e acreditei.
rasguei ilusões e parti.
perdi o olhar no teu sorriso,
outra vez.
não disse adeus, nem corri.
arrumei tudo atrás de mim,
para não pensares que fugi.
cortei as linhas que me mantinham presa
ao desejo de ti e gritei,
mas tu não respondeste,
preso na inércia do que não sabes.
sempre fomos assim:
tu que não sabias o que querias,
eu que sabia, mas esquecia que sabia
para poder estar perto de ti.
agora nada me dói.
nada acontece.
o tempo tão lento de repente
que as coisas não caem
ficam paradas no ar.
o vento sentado a acumular frio
e a jogar cartas com um baralho muito velho
onde já não se distinguem as caras,
porque ninguém vai perder ou ganhar.
talvez um dia destes passes por mim
e não me reconheças,
talvez nunca tenhas re-conhecido
e vice-versas
(foi só pra rimar
que a vida cá fora já rima tão pouco
com o interior...)
parei os livros que estava a ler
e não consigo ouvir as mesmas músicas,
mas a tua concha continua ali, presa
no cimento, no silêncio (tão longe do mar).
faço muito barulho ao passar
para lhe calar o olhar.
não me censura ela,
nem tu, que só sabes calar.
encostei a tua mão ao coração
e disparei,
a bala atravessou-me e partiu.
também ela não quis ficar.
morri.
e assim abri caminho para o frio me habitar
pelo lado de dentro.
agora não sei senão andar,
e ando de olhos fechados
que os pés já sabem de cor
as pedras e as conchas
onde vou tropeçar.
alguém bate à porta,
mas não atendo mais ninguém,
os sentidos adormecidos,
reduzidos à tarefa instintiva de caminhar.
não moro mais aqui.
não moro em nenhum lugar.
eu sou a casa onde o frio resolveu parar.
eu sou o vento que desistiu de passar.
hoje é o dia três,
tento combater o cansaço
que me vai cozendo os ossos
em banho-maria,
mas não muito, fico cansada.
esqueço-me de muitas coisas,
até das palavras,
coisa nunca antes vista.
se me perguntarem algo hoje,
vai ela responder-lhes,
dirá algo engraçado de que não me lembraria,
e que ouvirei assim ao longe,
como se estivessem todos dentro de água,
ou eu dentro de água,
não sei bem.
se alguém me gritar não vou perceber,
se alguém me bater, sorrio de volta
e agradeço, por me tornar a dor
visível, palpável e localizável...
talvez até me faça esquecer por instantes de sentir
este vento frio (ou será água?
será um rio?) que passa impreciso
entre o coração e os pulmões e desagua em nó
algures entre a garganta e a boca do estômago
e me impede de respirar.
às vezes páro e reparo no silêncio
tão grande que herdei,
e no tanto espaço tão vazio
de repentemente.
"não te perdi a ti, perdi o mundo"
e responde-me ela do fundo do rio,
a boca abrindo e fechando e grandes bolhas de ar a dar à costa,
que foi assim que escolhi.
reparo que a angústia passou,
já não te espero.
podes vir a qualquer hora,
em qualquer dia,
podes não vir mais
se tudo fôr demais para ti.
sempre me deixaste com as mãos cheias
de tudo o que tinha para dar.
fecho a porta da imaginação por onde sonhei
que virias
e procuro outras janelas
por onde sair
que já não sinto meu este lugar.
vou deixar pégadas pelas estradas...
não perdi ainda todo o peso,
nem as amarras que me prendem ao chão...
mas não corto mais as asas...
se um dia quiseres,
terás que arriscar o voo
desajeitado,
arriscado
do
coração.
terás que escrever-me
na pele outra canção,
virar-me do avesso
e mudar-me a cor
pelo lado de dentro,
(para con-dizer com a tua)
28 junho, 2006
Gente Perdida
Com medo de falhar
Não fosse esse o caminho certo
Para te encontrar
Fui descobrindo devagar
Cada sorriso teu
Fui aprendendo a procurar
Por entre sonhos meus
Eu fui assim chegando
Sem entender porquê
Já foram tantas vezes tantas
Assim como esta vez
Mas é mais fundo o teu olhar
Mais do que eu sei dizer
É um abrigo pra voltar
Ou um mar para me perder
Lá fora o vento
Nem sempre sabe a liberdade
A gente finge
Mas sabe o que não é verdade
Foge ao vazio
Enquanto brinda, dança e salta
Eu trago-te comigo
E sinto tanto, tanto a tua falta
Eu fui entrando pouco a pouco
Abri a porta e vi
Que havia lume aceso
E um lugar pra mim
Quase me assusta descobrir
Que foi este sabor
Que a vida inteira procurei
Entre a paixão e a dor
Lá fora o vento
Nem sempre sabe a liberdade
Gente perdida
Balança entre o sonho e a verdade
Foge ao vazio
Enquanto brinda, dança e salta
Eu trago-te comigo
E sinto tanto, tanto a tua falta
Lá fora o vento
Nem sempre sabe a liberdade
Gente perdida
Balança entre o sonho e a verdade
Foge ao vazio
Enquanto brinda, dança e salta
Eu trago-te comigo
E guardo este abraço só para ti"
Mafalda Veiga
(amanhã talvez escreva, hoje alguém escreveu por mim)
20 junho, 2006
Your Brain's Pattern |
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You Are a Dreaming Soul
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19 junho, 2006
piquenicar
07 junho, 2006
sonho
contra os relógios das horas.
e tu permaneces ao longo do frio
intocável, inabalável,
quase um desconhecido.
queria gritar-te,
rasgar-te essa quietude de lago
de águas escuras contra o branco
do muro.
queria morder o aroma
do teu pulso fechado,
mas não parece haver tempo
que nos faça existir.
tudo é fútil e vago.
tudo é triste e cansado.
dói-me a palavra desistir,
dói-me ainda mais insistir.
hoje não sei o que quero,
mas tenho dentro de mim
uma viagem que ainda não fiz
e esta ânsia de partir
e de chegar.
faço a minha casa no mundo,
encho os pés de pó
de tanto caminhar.
eu vivo de desejos tácteis
projectados contra a tua inércia
como num teatro de sombras chinesas.
posso ver o meu reflexo nos teus olhos
mas é uma ilusão pensar que estou lá.
se aproximar o meu braço do teu
estou quase certa de que vais desaparecer no ar.
não te sinto,
não te sei
e perco-me a cada passo
nesta direcção que nem sequer é a tua,
é só um sonho que eu inventei
e vejo em ti só o que de ti imaginei...
02 junho, 2006
Cada vez mais aqui
Para doer aonde?
Para ser o quê?
Achas que ninguém vê?
E p'ra quê fingir?
Porquê mentir e remar na dor?
Achas que ninguém vê?
Também eu queria parar...
chorar
cair... p'ra me levantar,
p'ra te puxar!
Te fazer sorrir...
não voltar a cair!...
Não me olhes assim!
Continuo a ser quem fui!
Cada vez mais aqui...
não dances tão longe..!
que eu já te vi...
Também eu queria parar...
chorar
cair... p'ra me levantar,
p'ra te puxar!
Te fazer sorrir...
não voltar a fugir!..."
Toranja
hoje o telemóvel ficou sem bateria e fiquei feliz na minha incomunicabilidade...
(um dia na era pré-telemóveis)
hoje não te vi e encontrei-te em todo o lado
e desejei que me calasses na tua boca.
hoje quis beber-te essa tristeza
que trazes nos olhos
só para te ver voar,
só para te libertar.
hoje dir-te-ia:
faria em ti a minha casa,
mas tenho medo de te assustar.
ao som da nina simone aqui:
"Trouble in mind, yes I'm blue
But I won't be blue always,
'Cause the sun's gonna shine
In my backdoor some day"
fotografia de filipe santos encontrada algures por aqui
01 junho, 2006
A Parábola do Talvez
A Alquimia da dor
"«nem tudo é totalmente bom nem totalmente mau»"
Parece-me que uma boa dose de aceitação (nota: aceitação é diferente de resignação) e perseverança devem ser úteis neste processo em que transformamos a dor… ou em que nos deixamos transformar por ela… seremos nós capazes desse atrevimento?… de não comprarmos a cultura da eterna euforia e de procurarmos a felicidade através de um caminho em que se conhece, aceita, e encara a dor com naturalidade e sabedoria?
A Tua Pequena Dor
quase nem sequer te dói
é só um ligeiro ardor
que não mata mas que mói
é uma dor pequenina
quase como se não fosse
e como uma tangerina
tem um sumo agridoce
de onde vem essa dor
se a causa não se vê
se não é por desamor
então é uma dor de quê?
não exponhas essa dor
é preciosa é só tua
não a mostres tem pudor
é o lado oculto da lua
não é vicío nem costume
deve ser inquietação
não há nada que a arrume
dentro do teu coração
certo é ser a dor de quem
não se dá por satisfeito
não a mates guarda bem
guardada no fundo do peito!"
by Carlos Tê/Rui Veloso
(Cabeças no ar)