24 julho, 2008

duas noites seguidas a dois séculos de distância

Duas noites, dois lugares, dois compositores, dois séculos de distância, duas viagens completamente diferentes.

Na primeira noite, música sacra de Antonio Vivaldi (1678-1741) - Stabat mater, Nisi Dominus, entre outras - interpretada por um agrupamento instrumental e um contralto italianos. Uma voz invulgar a dar vida aos sentimentos e às cores que Vivaldi colocou nas suas composições virtuosas... há melodias tão claras e luminosas nas suas obras que soam certas e parecem fáceis. Sabe bem estar viva para poder ouvir coisas destas ao vivo e a cores. Até a dor parece que dói menos porque soa tão bem.

Na segunda noite chegou a inquietação através das obras de Olivier Messiaen (1908-1992), das quais destaco uma: Quatuor pour la fin dus temps. E o fim dos tempos de Messiaen é inquietante, desgastante e depois tempestuoso... como só a natureza pode ser. Mas também é silêncio e depois do silêncio desolação. Porque depois da tempestade de Messiaen vem a desolação de perceber que é uma tempestade de violência sem vida. A desolação de um planeta desabitado. Mas até num planeta desabitado nasce o sol ao som de um violoncelo. Até num planeta desabitado, na última noite do último dia, a lua se ergue no céu reflectindo a luz do último solo de um violino.

Curiosidades curiosas
Messiaen, compositor francês, organista, e ornitólogo compôs este Quatuor pour la fin dus temps enquanto esteve preso, para os quatro instrumentos disponíveis: piano, violoncelo, violino e clarinete e foi ainda na prisão que esta obra foi pela primeira vez interpretada por ele e outros prisioneiros para os guardas e restantes presos.
Messian sofria de uma forma moderada de synaesthesia
que se manifestava pela percepção de cores quando ouvia certas harmonias, particularmente as harmonias construídas a partir dos modos de transposição limitada (compilados por ele), e usava combinações dessas cores nas suas composições.


11 julho, 2008

III


quanto menos palavras me servirem
mais saberei que estou perto da verdade


II


cala-te.
ouve...
é este o lugar.
aqui na terra do poema,
aqui se cruzam todos os rios do meu passado,
aqui nascem todos os rios do meu futuro.
quem eu sou?
não interessa.
aqui sou silêncio.
aqui me curvo em reverência.


I


achas que falo contigo?
é silêncio apenas.
é silêncio apenas
tudo o que te digo.


10 julho, 2008

em vão


um dia alguém há-de encontrar esse corpo que é teu
que tu dizes que morreu
e que recusas procurar.
(que recusas reclamar.)


branco-luz


cala-te!
cala-te já
enquanto ainda há sentidos escondidos.
não acredito em nada do que dizes,
palavras vãs, sentimentos - pedras na garganta
- interrompidos.
não venhas agora. o tempo espera.
as coisas claras demoram a nascer,
mas quando chegam
destroem casas, derrubam muros,
inundam vidas com seu eterno amanhecer.


(sem título)


um dia,
quando chegares,
reconhecer-te-ei pelas mãos.
não que as tuas mãos tenham algo de especial.
para todos os outros são umas mãos perfeitamente normais.
ninguém sabe, senão eu, que as tuas mãos já são minhas,
ninguém as conhece como eu que sempre as conheci.
não vou sequer dizer que as tuas mãos encaixam nas minhas
porque as minhas são pequenas e as tuas grandes demais:
nas tuas mãos cabe o tempo, a terra, o meu corpo inteiro,
nas tuas mãos beberei da chuva a primeira água das manhãs.
um dia,
quando chegares,
não vais saber quem sou eu,
só as tuas mãos reclamarão aquilo que já é teu.
sono leve, rente à pele, quem me vem adormecer?
no dia em que me tocares, saberás porque nasci.


09 julho, 2008

Expectativas vs. realidade

ser o que se é, é algo suficientemente difícil. porque é que se exige que, além disso, as pessoas tenham que corresponder as expectativas de uma sociedade normalizada? porque é que não se pode estar triste? porque é que não se pode estar calado, por não ter nada para dizer? porque é que se tem que querer atingir um determinado estatuto, ou ter determinadas profissões? porque é que se deve desconfiar de tudo e todos e considerar a inocência ou a ingenuidade um defeito de carácter? porque é que se tem que ser magro? porque é que se tem que ser rico ou famoso ou estar na moda?
simultaneamente não consigo ver onde é que responder a todos estes estímulos e expectativas sociais torna as pessoas mais felizes. Será que me dou ao trabalho de perceber o que as pessoas são e sentem para além daquilo que aparentam? será que pergunto: tudo bem? e não como estás? E se pergunto como estás? fico tempo suficiente para ouvir a resposta verdadeira ou não tenho coragem porque corro o risco de ouvir o desabafo ou de me aproximar demais do outro, sentir a sua alegria e a sua dor? Será que aposto na qualidade das minhas relações? Será que dou tempo e espaço para me aproximar de alguém e para as pessoas se aproximarem? É difícil, dá trabalho, as pessoas são a maior parte das vezes, confusas, complicadas, não estão sempre bem-dispostas, não são sempre engraçadas... mas ter relações com profundidade não trará outra satisfação, mais disponibilidade de ambas as partes, menos preconceitos, mais aceitação do outro, mais compreensão, mais caridade, mais amor no fundo? porque só se ama quem se conhece.


02 julho, 2008

Radiohead - Idioteque

e com esta termino... entrando na órbita do cometa radiohead à velocidade alucinante de idioteque. definitely in the mood for radiohead.

Kings Of Convenience - Cayman Islands

o elogio das coisas claras, reduzidas ao essencial. as palavras quase sussurradas:

"if only they could see, if only they had been here
they would understand, how someone could have chosen
to go the length I've gone, to spend just one day riding
holding on to you, I never thought it would be this clear"

Miles Davis - Move - Birth of the Cool

esta não está completa... é uma amostra e quem quiser mais que vá procurar...
se o meu pensamento se pudesse ouvir sob a forma de música, às vezes soaria mais ou menos assim.

Astor Piazzolla y su Quinteto Tango Nuevo - Adios Nonino

esta dançaria se soubesse...

Bobby Mcferrin improvisation with Richard Bona

qualquer coisa completamente diferente...
sabe a terras distantes e a ventos quentes, fortes, lentos. sabe a florestas claras com um travo de sal.

portas e janelas II - inside my mind

à procura das minhas músicas preferidas encontrei algumas que já nem me lembrava, músicas que outros me mostraram e que agora também já são as minhas músicas, que fazem eco por dentro, que se dispersam e condensam pelas planícies e escarpas e rios interiores, que tem sabores e memórias e lugares dentro, que tem corpo e densidade e cor de tempos que é tão fácil trazer ao presente. basta ouvir.

01 julho, 2008

Vivaldi - Stabat mater (RV 621) - Andreas Scholl


à procura da perfeição...
parece fácil.

Nina Simone - Feeling good

Aqui como pano de fundo na promoção da 4.ª série de Sete Palmos de Terra. Tudo muito bom. Realmente aquelas laranjas estavam mesmo a pedi-las...

Rufus Wainwright - Beautiful Child - Live

portas e janelas de música


há muito tempo que a música me parece um bom caminho para perceber melhor as pessoas. muitas vezes e quase por instinto, quando me aproximo de alguém começo (ou acabo) a ouvir as músicas que essa pessoa mais gosta, como se essas músicas fossem portas ou janelas que essa pessoa me abre sem falar, até porque quando as pessoas falam, falam com as suas reservas, com as suas defesas, com a sua ironia, mesmo que estejam plenamente convencidas da verdade que estão a dizer. agora se me dizem esta música faz-me chorar, esta música faz-me rir, esta música faz-me dançar, sozinho no quarto onde ninguém vê, esta música foi feita para mim, é assim estar dentro de mim, isso é outra conversa. já não falamos de palavras, ou de filosofias, ou de verdades, falamos de beleza, de procura, de sentimentos. experimenta. deixa-te influenciar...



vou ilustrar o que disse com as minhas músicas preferidas.