30 novembro, 2010

claramente obscuro


a taça vazia sobre o muro.(existir não chega).
um gesto de atenção chegaria para encher a taça.
(um gesto quase banal devolveria o estado de graça).
um movimento mais brusco e desilude-se a ilusão.
um passo impreciso entre a confiança e a dúvida,
um gesto inseguro por um móbil mais puro.
cala-te, mas não te esqueças do que ias dizer.
calo-me, mas não me esqueço do que posso sofrer.

os dias sucedem-se na lista telefónica do esquecimento
(que dia é hoje? é teu este dia?)
agarro-me ao meu (medo ou) mecanismo de segurança interna-dor (msi-dor)
e escrevo (me) sucessivamente em dó menor
para disfarçar a falta de talento para entender o mundo:
dó, ré, mib, ré, dó, solilóquio mudo em tom profundo
(queres ver a cor deste tempo, dos dias que eu já sei de cor?
dos dias iguais a todos os dias: cadência suspensivo-controla-dor)

não há palavras que me sirvam, que me aqueçam, que me calem
mas para dizer o que (te) digo, melhor seria estar calada,
pois às palavras tantas sinto que te engano, me desdigo:
não é minha a tua voz, não é teu o meu desejo,
não é tua a minha esperança, não é meu o teu cansaço.
silencio o cálculo da probabilidade das imponderabilidades e descanso,
hoje é só mais um daqueles dias de desassossego mais intenso
em que me claro, espero, escuro, penso, calo, quero tudo! adormeço.


29 novembro, 2010

até ser tarde


gosto de coleccionar manhãs, manhãs de chuva cinzentas e tristes, manhãs claras de frio desperta-dor, manhãs submissas de verão e calor, manhãs amenas de outono e de cor, manhãs de dormir até ser tarde, manhãs de correr por obrigação, manhãs de procurar liberdade, manhãs de perder a direcção.


evitar (te)


porque me custa tanto falar (te)
porque me custa tanto calar (me)
escrevo aqui para evitar encontrar (me)
descrita noutro lugar onde pudesse encontrar (te)


26 novembro, 2010

a paz que eu não tenho


aquilo que na vida posso controlar com precisão é tão ínfimo que a maior parte do tempo vivo em luta com tudo aquilo que não posso controlar. resultado: perco tempo e energia para nada. se pudesse decidia agora: desistir de controlar tudo e viver em paz com o aumento de entropia consequente... mas essa é precisamente uma das coisas que não consigo controlar.


24 novembro, 2010

Maria Rita - Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero)




"paz sem voz não é paz é medo [...]
é pela paz que eu não quero seguir admitindo"

(O Rappa, Marcelo Yuka)


De passagem


sob a aparente calma dos dias,
sob a pele, como uma segunda alma,
a urgência constante do encontro,
a urgência constante da viagem.
atravesso os meses com a mala arrumada,
pouca coisa: coragem, liberdade, quase nada.
tacteio na escuridão do presente,
vasculho no rumor indecifrável da rotina,
um sinal, uma palavra, uma imagem
que me devolva a memória do futuro,
que me inspire as coordenadas da próxima paragem.
hoje, agora, amanhã: não estou parada,
estou um passo mais perto da chegada
estou um instante mais perto da partida.


22 novembro, 2010

Lucidez


acredito,
lá bem no fundo acredito
na esperança dos dias,
na lógica das árvores,
no rumor dos águas,
na intenção do vento,
na solidão das pedras,
na liberdade dos pássaros,
na lucidez do tempo.


Grito


este grito no silêncio
é esperança ou medo?


Pressentilêncios


não sei se é de luz este instante,
de silêncio, ou espanto.
não sei se é o sabor deste encontro
que me acorda por dentro.
pressinto os teus passos no rumor dos dias,
é solitário o teu caminho,
vã é a minha pressa.
o tempo não se detém na curva das horas,
a manhã submersa, a tarde tão escassa,
passas por mim amanhã?
(passas por mim agora?)
é tua esta voz? é teu este braço?
não te digo ainda o que me adivinho,
hoje ainda é cedo, o momento é raro,
hoje só pressinto, espero um dia claro,
hoje faz cinzêncio, paro, calo, espero.


21 novembro, 2010

Depois da tarde


de repente o medo.
não sei se é a noite a chegar
ou se sou eu que finjo não procurar,
mas não sei o que fazer se tiver encontrado.
não faço nada.
fico aqui? fico perto?
fico ao lado?
escrevo? não escrevo?
paro? escuto? espero?
respiro-te de-pressa,
mas não declaro.
aproximo-me devagar, observo e calo,
mas quero-te perto
e isso é tão raro.




18 novembro, 2010

Lenine - "É O Que Me Interessa" - Trama Radiola




é esta a minha frequência de vibração hoje, ontem, amanhã, todos os dias, esta música repetida até à exaustão.


(falta de) liberdade?


nenhum gesto é neutro,
nem a escrita,
tudo é desejo, procura, intenção.


10 novembro, 2010

Silêncio ou nada


vou escrever um manifesto. dirá assim:
senta-te aí e não digas nada: é isso estar.


05 novembro, 2010

Segredo


uma carta! corri para o correio. há tanto tempo que não recebia uma carta. o papel, o cheiro, o desenho das letras, carimbos, selos, o tempo nas dobras, língua, cola, voz, tinta, esperança, silêncio, medo.
guardei a carta no bolso, sem abrir. adiei-te como quem prolonga um prazer. caminhar pelo dia com uma carta por ler. tua. o dia inteiro essa notícia repetida, esse segredo no bolso, um murmúrio intermitente a massajar-me a palma da mão, uma resistência imperceptível do papel contra a perna ao andar, uma corrente de ar porque alguma janela mal fechada no coração (ou é o medo a jogar ao esconde-esconde com a esperança. desarrumam-me tudo!)
quanto tempo vou aguentar? umas horas? um dia? mais que um dia? será que consigo dormir com esta carta no bolso? por ler. tua. não sei, mas sabe-me bem não ler, como quem caminha por instantes de olhos fechados na rua, sem ter medo de tropeçar, ou do que os outros vão pensar, porque no fundo caminhamos sempre de olhos fechados para o futuro. confio de olhos fechados que há muito mais do que aquilo que se vê. confio de olhos fechados que não preciso de tentar prever tudo o que vai acontecer.


energias alternativas


hoje sou uma máquina movida a café...
vrummmm, vrummm, cofff, cofff.


04 novembro, 2010

Inércia


inércia.
sono.
estupidez aguda
ou indolência generalizada?
o tempo a passar
e não fiz nada.
nada de nada.
...
vou fazer uma pausa.
(de quê?)